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sexta-feira, 30 de julho de 2010

Cultura ou Culturas

DISCIPLINA: FUNDAMENTOS E METODOLOGIAS DO ENSINO DE ARTE
PROFESSORA: Elisa Muniz Barretto de Carvalho

CULTURA

O conceito de cultura, do ponto de vista antropológico, foi sendo construído ao longo dos séculos XIX e XX.
Na antiguidade, os diferentes comportamentos existentes entre os povos eram justificados pelas diferenças geográficas. Neste entendimento, os povos que habitam o hemisfério norte têm comportamentos diferentes dos povos do hemisfério sul em função das características regionais. Um esquimó, por exemplo, é capaz de distinguir tonalidades de branco que os habitantes de uma região das savanas africanas seriam incapazes de perceber.
Durante muito tempo imperou a idéia do determinismo geográfico, acreditando-se que o ambiente físico condicionava a diversidade cultural. A partir da segunda década do século XX, estas teorias, popularizadas por geógrafos, começaram a ser refutadas. Antropólogos demonstraram que existia uma limitação da influência geográfica sobre os fatores culturais. Roque de Barros Laraia nos afirma ainda que “[...] é possível e comum existir uma grande diversidade cultural localizada em um mesmo tipo de ambiente físico.” (LARAIA, 2001, p. 21). Como exemplo disso, Laraia nos mostra que mesmo vivendo em ambientes semelhantes, no norte de nosso planeta sob um rigoroso inverno, os esquimós e os lapões têm comportamentos culturais diferentes. Os primeiros constroem casas de gelo (iglu), e os últimos constroem tendas com peles. Os esquimós, quando querem se mudar, abandonam o iglu enquanto os lapões transportam sua moradia para o novo local a ser habitado.
Outra explicação para as diferenças culturais é a que relaciona as capacidades específicas a determinadas “raças” ou grupos humanos. Fundado no determinismo biológico, este entendimento atribui capacidades e habilidades próprias a alguns seres humanos a sua origem genética. Por esta vertente, acredita-se que os brasileiros herdaram a preguiça dos índios e a esperteza dos negros. Os comportamentos, enfim, são considerados herança de família. Este tipo de pensamento proporciona o aparecimento de atitudes racistas, que discriminam certos grupos de uma determinada sociedade em virtude de suas características raciais e étnicas6.
Hoje sabemos que o comportamento dos indivíduos em sociedade depende de aprendizado, um processo que se denomina endoculturação. É através deste processo de socialização e aprendizagem de cultura que podemos explicar a capacidade de qualquer pessoa adquirir hábitos culturais do povo com o qual cresceu; por exemplo, uma pessoa nascida no Brasil e criada na Inglaterra, crescerá como uma inglesa, aprendendo os hábitos, a linguagem, as crenças ou valores dos ingleses. A endoculturação explica o processo pelo qual pessoas de raças ou sexos diferentes têm comportamentos diferentes, não em função de transmissão genética ou do ambiente em que vivem, mas por terem recebido uma educação diferenciada. É a educação e a cultura que explicam a diferença de comportamento entre os homens. Pela educação os indivíduos assimilam os diferentes elementos da cultura e passam a agir de acordo com esta.
Conforme LARAIA (2001), a primeira definição de caráter antropológico de cultura vem de Edward Burnett Tylor (1832-1917), para quem cultura é “[...] todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade.” (TYLOR, 1871, apud LARAIA, 2001, p. 25). Nesta definição Tylor enfatizou a idéia de aprendizado na sua definição de cultura, mostrando a cultura como sendo todo o comportamento aprendido, tudo aquilo que independe de uma transmissão hereditária.
O homem surge na história como um ser cultural. O que o diferencia dos outros animais é a capacidade de trabalho e transformação da natureza. O homem desenvolveu ferramentas que lhe permitem modificar a realidade. Como um ser cultural, social e histórico age sobre o mundo culturalmente, isto é, apoiado na cultura e dentro de uma cultura. O homem é herdeiro de uma cultura construída a partir de um longo processo, que reflete o conhecimento e a experiência adquiridos pelas gerações que o antecederam. A herança cultural e social do homem não é transmitida pelos genes, mas por uma tradição e aprendizado cultural.
O processo do desenvolvimento humano é claramente acumulativo. As modificações trazidas por uma geração passam à geração seguinte através da educação, de modo que a cultura transforma-se, incorporando aspectos apropriados à sobrevivência e permitindo que as novas gerações usufruam dos conhecimentos construídos pelas gerações anteriores. Através do trabalho o homem se liberta da natureza, transforma-a adaptando-a às necessidades humanas. Com isso, o próprio homem se modifica desenvolvendo sua cultura. O trabalho, além de desenvolver as habilidades, permite a aprendizagem e o aperfeiçoamento da cultura.
Ao receber conhecimentos e experiências acumulados ao longo das gerações que o antecederam, o homem tem a possibilidade de agir criativamente, o que lhe permite inovações e invenções. Assim, estas ações criativas não são o resultado da ação isolada, mas o esforço de toda uma comunidade na construção de uma cultura. A cultura é construída socialmente.
As culturas assumem formas mutáveis que se alteram com bastante rapidez, mais rápidas até mesmo que as ocasionais alterações biológicas no homem. “As culturas se acumulam, se diversificam, se complexificam e se enriquecem, ou então também, desenvolvem-se e, por motivos sociais se extinguem ou são extintas. Até poder-se-ia dizer que as culturas não são herdadas, são antes transmitidas.” (OSTROWER, 1987, p. 11).
A afirmação de que existem culturas menos desenvolvidas e outras mais avançadas reflete uma visão tradicionalista de cultura. Esta visão pressupõe que existam estágios de evolução cultural, uma tentativa de transpor o darwinismo para o plano cultural e que as culturas dos chamados povos primitivos poderiam evoluir e alcançar os níveis mais “avançados” das culturas ditas civilizadas.
A relação aprender-e-ensinar é o que garante a existência de uma cultura. A educação é um processo vital, não é mera adaptação do indivíduo e é antes de tudo uma atividade criadora. Carlos Rodrigues Brandão nos coloca com propriedade: “[...] a educação é uma fração da experiência endoculturativa. Ela aparece sempre nas relações entre pessoas e intenções de ensinar-e-aprender.” (BRANDÃO, 1989, p.24).
A cultura, durante muito tempo foi considerada como patrimônio da escola. Pensada como única e universal, a cultura, era concebida como o conjunto de tudo aquilo que a humanidade havia produzido de melhor, fosse em termos materiais, científicos, filosóficos, literários, artísticos. Para ser culto haveria de se freqüentar uma escola.
Hoje, o poder cultural não está mais localizado nas escolas. Ele infiltra-se em qualquer espaço, como nas telas da televisão. A escola encontra-se numa situação contraditória. Ao mesmo tempo em que está ao lado do estado para difundir um modelo cultural por este definido, está ameaçada pela cultura que é difundida pelos meios de comunicação de massa. Enfim, a escola não mais mantém uma única referência cultural.

REFERENCIAS

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação. 24ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1989.
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 14ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação. 17ª ed. Petrópolis, Vozes, 1987.

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